A educação
infantil é considerada hoje fundamental para a formação escolar do estudante.
Mas em 1875, um jardim de infância causou uma verdadeira reviravolta na
educação brasileira, como reconheceu um artigo no jornal Cruzeiro quatro anos
depois. O texto mencionava “um chalé expressamente construído e mobiliado para
o Jardim de Crianças”, que vinha sendo bastante prestigiado pelo imperador e
por diversas autoridades. A Gazeta de Notícias chegou a noticiar, em 1881, que
“Sua Majestade retirou-se à 1 hora da tarde, tendo antes visitado todas as
dependências do estabelecimento e manifestado sua satisfação por vê-lo tão bem
montado e em tão lisonjeiras condições”. Criado quatro anos antes pelo médico e
educador Joaquim José de Menezes Vieira (1848-1897) e sua esposa, Carlota, o
Colégio Menezes Vieira (1875-1887) funcionava no Centro do Rio de Janeiro, na
Rua dos Inválidos, 26. Oferecendo os ensinos primário, secundário e
profissional em três sistemas – internato, semi-internato e externato –, a
escola foi o primeiro jardim de infância do Brasil.
Menezes Vieira
se inspirou na iniciativa do pedagogo Friedrich Froebel (1782-1852), que havia
fundado o primeiro kindergarten (jardim de infância) na Alemanha em 1837. Até
então, nenhum projeto como esse havia emplacado no Brasil. Tanto foi o sucesso
da empreitada, que outros educadores começaram a tocar projetos semelhantes na
capital do Império a partir da década de 1880. Bernardino de Almeida, por
exemplo, fundou uma escola para crianças pobres em 1881. O professor Hemeterio
José dos Santos criou, dois anos depois, o Colégio Froebel. Em 1888, foi a vez
de Maria Guilhermina Loureiro Andrade, que fundou o Kindergarten Modelo.
A ideia de
educação infantil ainda não estava suficientemente incorporada ao debate
pedagógico no século XIX; era como se a sua existência ameaçasse o papel da
família ou a própria função da escola primária. E mesmo a iniciativa e a defesa
intransigente dos jardins de infância feita por Menezes Vieira e muitos outros
não bastaram para a sua implementação em larga escala no Brasil daquela época.
Defendidos e atacados, eles permaneceram por longo tempo restritos a um número
de alunos privilegiados.
O jardim de
infância do Colégio Menezes Vieira só admitia meninos e funcionava em um prédio
cuja forma era a de um pavilhão hexagonal. Construído no centro de um jardim,
ele tinha um vestíbulo, uma secretaria, um vestiário, salas de trabalho, um
pátio coberto para os exercícios físicos, um refeitório e dormitórios, além de latrinas
para os alunos e para as professoras. Em suas dependências, crianças de três a
seis anos eram introduzidas à ginástica, à pintura, à jardinagem, ao desenho,
aos exercícios de linguagem e de cálculo, à escrita, à leitura, à História, à
Geografia e à religião.
Uma parte do
terreno do colégio era dividida em canteiros para os exercícios de
“jardinicultura”, que eram realizados pelos alunos mais velhos, sob a
orientação das professoras. Nas salas de aula, que acomodavam até trinta
alunos, havia pequenos bancos e mesas com cantos arredondados, que permitiam
que “a professora entretivesse com os educandos como uma boa e carinhosa mãe
entre os filhos”, como consta no Manual para os Jardins de Infância, de Menezes
Vieira (1882). As salas eram decoradas com os trabalhos dos alunos e com
quadros que exibiam frases de Froebel, como “A vida da criança deve ser uma
festa perpétua” e “Oh! O Jardim há de dar o que os cárceres não deram”.
Dona Carlota
seguia princípios como esses e também os ensinamentos do pastor Friederich
Oberlin (1740-1826), o primeiro a abrir, em 1770, uma sala de asilo em uma
aldeia da Alsácia, na França, para cuidar das crianças pequenas enquanto os
pais trabalhavam. Posteriormente, muitas outras professoras tiveram a mesma
orientação. Desde então, a atuação da “jardineira” está vinculada à de
educadora, que era vista como uma extensão da ação materna. Sobre o tema,
inclusive, a Gazeta de Notícias publicou em 10 de dezembro de 1979: “A
professora de um jardim de crianças faz, nada mais, nada menos, do que o papel
de uma mãe zelosa do futuro de seu filho”. Essa filosofia seguia uma tendência
da época: a de redimensionar o papel da mulher, que estava deixando de se
restringir à esfera familiar (privada) e se estendendo para a esfera escolar
(pública). Isso criou algumas expectativas a respeito das características dessa
profissional, que deve ser meiga, carinhosa e abnegada. Ainda hoje, essas
características permanecem formando um “modelo”, pois se fala em “maternagem”.
Menezes Vieira
conhecia profundamente o que havia de mais avançado na literatura pedagógica
daquele final do século XIX. No seu jardim de crianças, ele se valia de algumas
novidades com as quais entrava em contato toda vez que viajava pela Europa. Uma
das que mais influenciaram seu trabalho foi a metodologia propagada pelo
educador suíço Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827), que vinha fazendo
experiências pioneiras no Internato de Yvedon, na Suíça. O canto, a ginástica,
os jogos e as brincadeiras também representaram um material valioso para o
educador.
Além dessas
práticas, Menezes recomendava que as professoras se valessem de “conversas
morais e instrutivas, (...) exercícios manuais de construção, de modelação, de
recorte, de picado, de traçado, de desenho”. Para ele, tais atividades
acostumavam a criança “a ver e ouvir bem, adquirir noções corretas,
interessando-a ao mesmo tempo pelos objetos circunvizinhos, desenvolvendo-lhe
as faculdades inventivas, a necessidade do método, (e) o gosto pelo trabalho”.
O jogo, de acordo com sua visão, era a linguagem do brincar e o modo mais pleno
de expressão da identidade infantil, o que contrariava a rigidez e o imobilismo
característicos do modelo escolar vigente.
Assim como
aconteceu com outras novidades introduzidas no ensino brasileiro daquele tempo,
Menezes Vieira também foi um entusiasta do método intuitivo, que preconizava o
desenvolvimento da percepção das crianças. Segundo ele, os educadores não
deveriam se ater apenas ao que era concreto, mas também ajudar os alunos a
desvendar todo um universo abstrato. O “Jardim de Crianças” seria então o
primeiro estágio do método, e tinha como objetivos “o desenvolvimento
integral, harmônico, da parte física, moral e intelectual do educando, para que
aproveite a instrução primária. Não é uma escola na acepção vulgar do termo, é
a transição suave e racional da família para a escola. Não ensina especialmente
a ler, escrever e contar; prepara as crianças para que mais rápida e utilmente
possam aprender”. Em dezembro de 1880, a Revista Ilustrada trouxe um artigo
sobre as vantagens do método – que também era usado no curso primário – e
enaltecia as virtudes do Menezes Vieira: “Não se bate ali, ensina-se à
criança; não há castigo, há promessa, o carinho em vez do bolo, um jardim em
lugar da escola. E quanto progresso: quanta alegria”.
Para
complementar o trabalho que fazia no campo institucional, Menezes Vieira
produziu uma extensa obra didática entre 1882 e 1885. Dela fizeram parte o
Manual para os Jardins de Infância, o Jornal das Crianças, o periódico mensal A
Família, o ABC Fröebel e uma coleção de hinos escolares reunida em Cantos Infantis
patrióticos, instrutivos, recreativos. Mas devido aos problemas de saúde da
esposa, em 1887 Menezes acabou vendendo o colégio – que foi rebatizado como
Gymnasio Fluminense. Mais tarde, em 1890, por indicação de Benjamin Constant,
então ministro da Instrução Pública, fundaria o Pedagogium (1890), um museu
pedagógico que também funcionava como um centro impulsionador das reformas no
ensino, e foi redator da Revista Pedagógica, que veiculava as ideias e
propostas discutidas na instituição.
Os jardins de
infância ainda ganharam um impulso com o advento da República. Não que o novo
regime tenha contribuído para isso. O que aumentou mesmo foi a divulgação dos
métodos propagados por Menezes Vieira, que ganharam adeptos em instituições de
ensino de todo o Brasil. Tanto que, em 1924, o país já contava com 47 jardins e
creches, principalmente em capitais. O Estado só legalizaria definitivamente
a educação infantil pouco antes do começo do século XXI. Decisão ratificada em
1996 por meio da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que reconhecia
que as crianças de zero a seis anos tinham direito não só ao jardim de
infância, mas também à pré-escola, ao pré-primário, ao maternal. E pensar que
tudo começou com os alunos de DonaCarlota...
Maria Helena Camara Bastos é professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e autora de Pro Patria Laboremus – Joaquim José de Menezes Vieira (1848-1897).(Edusf,2002).
Artigo extraído da Revista de História da BibliotecaNacional (02/05/2011).
Incrível, ajudou demais para sua pesquisa
ResponderExcluirme corrigindo, ajudou para a minha pesquisa
ExcluirQuem é o autor desse artigo para colocar na citação de um trabalho ?
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